sábado, 16 de maio de 2009

Eça de Queiroz e Guerra Junqueiro - Analistas em 2009


Portugal está perdido.

O país perdeu a inteligência e a consciência moral.

Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.

Os carácteres corrompidos.

A prática da vida tem por única direcção a conveniência.

Não há princípio que não seja desmentido.

Não há instituição que não seja escarnecida.

Ninguém se respeita.

Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.

Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.

Alguns agiotas felizes exploram.

A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.

O povo está na miséria.Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.

O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.

A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.

Diz-se por toda a parte, o país está perdido.


Eça de Queirós

Lisboa, 1871


“Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.

[…] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro […]

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

[…] A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos […] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, […] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar…”

Guerra Junqueiro
1920

1 comentário:

  1. No passado como hoje, a análise está perfeita. Isto pode ser aplicado ao caso da ligação do Metro Ismai-Trofa. Quando da apresentação, há muitos anos, do projecto e da abertura do concurso, a actual Ministra do Mar, que na altura era Secretária de Estado do PS, disse ESTAMOS AQUI PARA CORRIGIR UMA INJUSTIÇA...Passadas poucas semanas anulou-se o concurso! E até hoje, 5 de Março 2019 NADA SE FEZ.? E O POVO QUE FAZ: NADA.

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