quarta-feira, 22 de julho de 2009

A rejeição de equivocos



As palavras que utilizamos tantas vezes inconscientemente, algumas provenientes de modas importadas, que não buscamos sequer saber o significado, levam a permissividades indutoras de profundas alterações de valores, que alteram com muita frequência toda uma identidade, toda uma diferenciação e nos conduzem á vulgaridade e ao esquecimento do respeito individual e colectivo, que deve merecer cada um de nós e todos os nossos semelhantes.
O uso generalizado das palavras cidadão e cidadania, é um destes casos para mim mais chocantes.
Não me estou a referir á carga ideológica que trouxe a implantação destes termos após a Revolução Francesa e que entre nós se consolidou na Monarquia Constitucional. Estou-me a referir à banalização do seu uso, que originou uma enorme abrangência que origina uma grande dificuldade de concretização e de identificação quando a usamos.
Vejamos…eu não sou um cidadão no estrito termo do significado da palavra, porquanto vivo numa Quinta e não soa nada bem classificar-me a mim próprio de “quintão”. Poderia então auto-classificar-me como um “rural”, mas então reparo que a ruralidade tem hoje em dia um significado depreciativo e tão incompreensivelmente esquecido. Já volto a pensar nesta questão, mas para já o que quero é afirmar-me como cidadão…apenas encontro uma possibilidade, a de ser cidadão da minha cidade, da que está mais perto da minha quinta, logo apenas sou cidadão de Almeirim.
Mas este cidadão de uma cidade de província, lê os jornais nacionais e ouve os políticos dos partidos, os Deputados, os membros do Governo, o Presidente da Republica e até SAR o Duque de Bragança, a referir-se aos cidadãos portugueses e à cidadania portuguesa. Oiço os parlamentares europeus e os membros da Comissão da União fazerem apelos à cidadania europeia. Esta abrangência dada às palavras diluiu o uso da palavra “patriotismo”, quando nos referimos à nossa participação cívica de âmbito nacional. Agora mais recentemente o uso da expressão “cidadania europeia” pretende criar em nós o fácil enraizamento, sem necessidade de mais explicações de que uma determinada União é a única solução que o futuro nos destinam.
O “dever de cidadão” é muito menos rigoroso para cada um de nós, do que o “dever patriótico” e muito mais preocupado ficaria se no meu bilhete de Identidade não figurasse a minha “nacionalidade”, substituída por “cidadania” …. que está cada vez mais restrita no seu significado real, a esse acto nobre que é votar em eleições. A “cidadania” é assim muito menos exigente do que “patriotismo” e a preferência pelo seu uso tem na sua génese precisamente libertar em cada um de nós a responsabilidade inerente à exigência histórica e cultural de sermos “portugueses”, herdeiros de uma Nação como muitos séculos de História. Assim para mim não é nem indiferente o uso destas palavras, nem me coloco entre os ingénuos que as adoptam, porque passou a ser corrente ou moda, a sua utilização.
Mas o adjectivo “cidadania”, que passa a substantivo, por razões políticas evidentes, é também portador de muitas outras mensagens que lhe estão associadas na vida moderna e a muitas outras que nos fazem esquecer valores tão essenciais, como o respeito por muitos hábitos e costumes, tão identificadores da nossa identidade como povo e da nossa diferenciação em todo o mundo.
Só quem não vive nem convive, com os habitantes do Portugal do interior, das Aldeias, Vilas e até Cidades, com o tão digno Portugal rural, é que não percebe a diferença entre os valores de respeito humano, que se expressam no convívio entre os seus habitantes, valores que aí ainda são uma regra de oiro nacional e que já não encontramos nas cidades. A “ruralidade” que é assim em Portugal a depositária de valores e de bons costumes, é muito menos considerada do que a cidadania e quantas vezes referenciada depreciativamente e sinónimo de atraso ou de reaccionarismo.
Por tudo isto, não abdicarei de ser apenas e exclusivamente cidadão da minha cidade e patriota de nacionalidade portuguesa.


















































domingo, 19 de julho de 2009

Ao que chegamos




António Barreto publica hoje um artigo no jornal o Público de grande sentido. Ele levanta como principal preocupação política nacional, a questão da “corrupção” dos partidos, políticos e do sistema.

Ele afirma claramente… “a corrupção é legal, tem apoio partidário e parlamentar” e ainda…”a corrupção é remunerada e paga a recibo verde”.

A primeira afirmação justifica-a através das nomeações para os altos cargos da administração pública, feita pelos governos a membros dos partidos, a segunda pela nomeação do elevado número de “assessores”, que todos os partidos chegados aos governos, têm a liberdade de colocar.

António Barreto mais uma vez tem toda a razão, ao dizer que o partido que proponha na próxima campanha eleitoral, o duplo compromisso de acabar com as nomeações partidárias para a Administração Pública e simultaneamente limite o número de assessores de nomeação, merece ter a maioria absoluta.
Esta verdade merece a nossa profunda reflexão, para além da razão que indiscutivelmente tem António Barreto.
A questão essencial actual não é a nossa escolha eleitoral, para com um “Programa de Governo”, ou perante a credibilidade dos candidatos no que respeita aos compromissos de governação, mesmo perante uma gravíssima crise económica e social.
A questão essencial é a questão do regime, dos privilégios partidários e dos políticos.
O que está verdadeiramente em causa na democracia “à portuguesa” já não é a governação dos próximos quatro anos, pois passa a questão de menor importância, face à desfaçatez ética e moral dos políticos, dos partidos e do regime.
É o assumir da verdade indiscutível de que nenhum partido deve merecer a nossa confiança, enquanto não assumir um compromisso eleitoral irrevogável para com o eleitorado, de se colocar ao serviço da governação e não ao serviço dos seus militantes, como empregador e distribuidor de favores e benefícios.
A permissividade do actual regime, para com os interesses pessoais, dos militantes dos partidos dominantes e perante o relacionamento perverso destes com os principais agentes económicos, condenou a sua credibilidade popular e isso é uma responsabilidade exclusiva dos partidos políticos dominantes, que com a sua atitude, continuam a fazer o mais grave e lesivo dos ataques ao que dizem defender, a democracia.
Isto é tão grave que teremos de dar inteira razão a António Barreto, que neste seu artigo faz um derradeiro apelo de bom senso aos partidos do sistema, mas que nos conduz a todos a uma triste conclusão…o verdadeiramente importante, mesmo perante o desespero de uma grave crise, não são as propostas politicas, mas a limitação das ansiedades dos políticos e dos seus interesses pessoais, de forma a ainda podermos aspirar a acreditar, a que possam surgir homens, que assumam uma postura de serviço público independente e desligada dos seus interesses particulares.
Mas não sou tão crente como António Barreto, pois não acredito que nenhum dos partidos dominantes tenha condições de fazer as propostas que sugere, pelo simples facto de que é o actual regime constitucional, que a tudo isso é totalmente permissivo.

A grave questão levantada, não se resolverá nunca através de propostas legislativas, que pressupõe ser feita pelos próprios partidos, que baseiam toda a sua força tendo como base aglutinadora precisamente essa premissa básica, que é capacidade de distribuir favores aos seus militantes e de lhes conferir o estatuto da riqueza.

A questão da promiscuidade politica e da corrupção, só pode ser encarada com rigor em Portugal, quando se concluir que há valores base essenciais que devem merecer estatuto de preceito constitucional, que o actual sistema semi-parlamentar está na base de toda a permissividade, assim como o facto, do principal responsável pela Estado e pela Nação, ser uma personalidade eleita sob proposta e apoio partidário, ou seja lhe estar á partida negada a possibilidade de ser totalmente livre e totalmente independente das influencias partidárias, que só um Rei poderá ser.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Retratos de Portugal (3)


O Serviço Nacional de Saúde uma prioridade do Governo PS

Hoje acompanhei a minha mãe, a um laboratório de análises do Cartaxo. Minha mãe tem leucemia já há alguns anos e apesar de na sua idade esta doença ser de evolução lenta, é necessário acompanhá-la com análises periódicas .

O médico responsável pelo Laboratório, é um senhor alto de cabelo todo branco, muito educado e simpático .


Enquanto esperávamos que preenchesse diversos papeis que minha mãe tinha obtido no Centro de Saúde para que as despesas das analises pudessem ser comparticipadas, tive ocasião de observar o senhor Doutor .


Fazia aquele trabalho burocrático com método e muita calma . Era aquela agora a sua principal função. Ele tinha sido transformado num experiente funcionário de secretaria. Toda a sua formação e toda a sua experiência como medico dava agora a plena garantia de que os papeis seriam bem preenchidos e que a nomenclatura das analises correspondia à demanda do seu colega do Centro de Saúde .


O velho medico já conhecia bem a minha mãe, pois há muitos anos que periodicamente ela ali vai fazer as mesmas analises. Como não se tem sentido bem nos últimos tempos a sua ansiedade era que o medico lhe desse logo uma opinião sobre a evolução do seu estado de saúde .


O simpático Doutor garantiu-lhe que após completar o serviço burocrático, que executava com atenção e minúcia, leria os resultados das analises .


Após alguns minutos levantou-se da sua secretaria, e abriu para ler o envelope, que continha os resultados .


« Bom as análises não indicam mais nada de novo, apenas o que a senhora já sabe que tem, mas agora tem que mostra-las ao seu medico »


Minha mãe teve um problema num olho que resultou de um erro medico, na sequencia de uma operação às cataratas no Hospital da Cuf. Como tirou os óculos escuros que costuma usar, o medico reparou nela e fez-me a seguinte observação : « a sua mãe foi vitima de um grave erro clínico ….deviam ter pedido uma indeminização…»


Sabe senhor Doutor, na altura ainda ponderamos essa questão…mas sentimos imediatamente que seria um acto inglório e caro . Sentimos que o medico chefe de serviços desse Hospital estaria na total disposição de proteger o medico operador e protagonista do erro cirurgico . Houve inúmeras justificações que nos foram dadas …justificações feitas de uma forma muito cuidada, mas que nos deram a certeza de que num processo judicial …fariam tese justificativa…enfim o proteccionismo clássico .


O simpático medico, não se perturbou minimamente com esta acusação à classe medica.


Imediatamente passou a contar duas histórias .


Sabe …cada vez há mais casos de erros médicos…os novos não querem aprender com os mais velhos…e são colocados sem a experiência devida a praticar actos, para os quais nem sequer uma boa preparação teórica têm . Agora foi julgada uma médica na Madeira que se comprovou ter dado um medicamento de elevado risco a uma criança, tendo resultado a sua morte. Apanhou apenas pena suspensa…pena suspensa pela responsabilidade de ter morto uma criança !


Outra medida lhe posso comprovar com outra narrativa . Havia aqui no Cartaxo uma jovem medica « Servia » que tinha uma comprovada experiência e dedicação para com os doentes . Era a medica preferida do Centro de Saúde . Eu próprio recebia telefonemas dela mostrando sempre uma particular atenção pelos doentes que enviava para aqui para fazerem análises. Nos médicos portugueses não é conduta habitual, esta preocupação, explicava.



Quando houve renovação do quadro do Centro de Saúde a dita medica foi posta fora. Muitos dos seus pacientes se queixaram e ainda hoje perguntam por que se foi embora a referida jovem e atenciosa médica. É claro que todos sabemos a razão…mas ninguém o diz .


Efectivamente você tem toda a razão …o proteccionismo existe e é maléfico .


O sistema está gravemente ferido. Agora temos de encarar a redução das despesas com a saúde . A redução da despesa publica sobrepõe-se ao direito do doente de ser tratado .


O simpático medico falava pausadamente e sem calor. Mas era veemente no seu discurso crítico. Agora os laboratórios estão limitados na alteração dos preçários das analises que efectuam. Há cinco anos que se mantêm as mesmas tabelas…quer nos preços, quer na « nomenclatura ». A manutenção dos preços traz-nos dificuldades de funcionamento e exige-nos sacrifícios, ainda por cima há dois anos fomos obrigados a cobrar 5% de imposto. A manutenção da « nomenclatura » leva a que muitas análises não possam ser comparticipadas ou pagas pelo Serviço Nacional de Saúde . Muitas pessoas não têm condições financeiras para as fazer…outras nem sequer lhes passa pela cabeça que as deveriam fazer porque os médicos dos Centros de Saúde não as solicitam.


Creio que se tivesse continuado a dar a devida atenção ao simpático Doutor, iria ficar ainda mais desapontado com este país. Optei por me desculpar e despedir-me …é também uma defesa que temos de ter, esta de não saber muitas coisas que nos chocam, para evitar tantos problemas de consciência .