sexta-feira, 15 de maio de 2009

Decência e a Vacina de Sócrates


Um grande escândalo preencheu as primeiras páginas dos jornais ingleses.
Os deputados utilizaram o dinheiro que receberam legitimamente, como ajuda de deslocação em despesas próprias, como arranjos nas suas habitações e mobiliário doméstico.
Este escândalo foi de tal monta que o Primeiro-Ministro pediu um inquérito rigoroso a todas as despesas realizadas pelos deputados durante a legislatura e pediu desculpas aos eleitores numa declaração pública do Parlamento convocada expressamente para análise desta questão. O Lider da oposição também pede desculpas públicas pelo comportamento dos deputados.
Tudo isto faz certamente muita confusão aos portugueses.
Em Portugal não há escândalos desta natureza.
Somos um país absolutamente liberto deste tipo de escândalos.
Se não é ilegal, porque há-de ser considerado um escândalo.
A resposta é evidente e obvia…porque na sociedade inglesa, há um principio ético essencial, que se chama decência.
Como em Portugal há muito que eliminamos esse princípio, automaticamente estamos imunes a esse tipo de escândalos.
Alguns órgãos da comunicação social portuguesa ainda tentam denunciar situações de desprezo pela ética, em especial quando são protagonistas os políticos.
Aumentam um pouco a sua audiência, mas nós já não ligamos nenhuma.
São tantas notícias e tão frequentes que entraram na banalidade.
O Primeiro-Ministro tem sido o mais entusiasta promotor desta imunidade face aos escândalos. Porque têm sido inúmeras vezes denunciados comportamentos seus eticamente inaceitáveis e inventou uma verdadeira vacina contra o escândalo.
A vacina Sócrates é em Portugal infalível...só há direito a considerar-se “escândalo” quando provado em Tribunal.
A investigação pode ser viciada e adulterada pelos políticos, os Tribunais são lentos, a vacina tem uma eficácia quase absoluta.
“A ética faz parte da cultura britânica e nós não temos nada que importar valores de outras culturas.
Os nossos valores são estes…já assim era na Monarquia constitucional, assim foi na 1ª República e assim, eu Sócrates, a mais eminente personalidade da 3ª República entendo como dever nacional preservar esses valores tão enraizados nos políticos portugueses.”
Os deputados faltam em votações decisivas e aniquilam uma resposta ansiada em todo o país. O Procurador-Geral adjunto faz pressão sobre investigadores, acerca do envolvimento Primeiro Ministro, no caso Freeport. Um Procurador decide que não deve haver as buscas propostas pela investigação a casa de um Secretário de Estado, que por acaso agora é Primeiro-Ministro. A Assembleia da República adquire toda uma nova frota de automóveis de luxo, no momento em que muitos dos súbditos não esgotaram a possibilidade de assumir o pagamento do leasing da sua viatura que tanta falta lhe faz para ir para o emprego. Gastam-se milhões de euros para evitar falências de bancos privados com actividades ilegais e como forma de branquear a irresponsabilidade do Banco de Portugal…
Nada disto é escandaloso pois não há condenações.
Não há sequer, qualquer político constituído como arguido. Desculpem a falha, há uns Presidentes de Câmara, que foram de facto constituídos arguidos, mas até transito em julgado são presumíveis inocentes.
Estamos assim completamente livres do escândalo…
Esses ingleses são complicativos, com essa coisa ridícula de honrarem a decência na vida pública.
Que importância tem isso da decência, se podemos continuar a apelidar o sistema de democracia.

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