domingo, 21 de novembro de 2010

Uma conversa interessante, num país sem rumo.

Relato-vos uma conversa que mantive com um casal de sexagenários, donos de um pequeno e simples café de uma aldeia do interior de Portugal.
Entrei naquele humilde espaço para beber um café. Ia de viagem, mas não com pressa. Não estava ninguém naquele pequeno café de Pavia….Atendeu-me uma simpática senhora com uma aparência muito humilde e um sotaque muito típico. Perguntei quanto custava a bebida e respondeu-me com um estampado sorriso…são apenas 45 cêntimos.
Comentei de imediato, a raridade de um tal preço pedido por um café. Foi nesse momento que surgiu por detrás do balcão, vindo de uma porta interior, um senhor que logo se antecipou e disse…pois é uma raridade este preço, mas olhe que mesmo aqui na terra já paga a 65 cêntimos e em Mora há lugares onde tem de pagar 95.
Uma diferença para o dobro por um café? No interior de Portugal !!!
E aqui na nossa casa, ainda oferecemos um café com “cheirinho”. Temos de fazer pela vida, pois não está fácil, nem para nós, nem para ninguém, avançou a senhora.
Pois isto está a ficar complicado, retorqui, colocando o dinheiro trocado em cima do balcão.
Muito difícil, voltou o dono do café…para nós, ainda vá que não vá, mas para a rapaziada nova, está a tornar-se impossível. Olhe, nós fomos construindo a nossa casinha, ao longo dos anos com as poupanças e muito trabalho. Agora temos a nossa comodidade e ainda este pequeno negócio, que dá para ir vivendo com muita dificuldade…mas os meus filhos estão desgraçados. Compraram tudo a credito…carro, casa, electrodomésticos, eu sei lá…agora é que é o delas para pagar. Durante muito tempo ainda os consegui ir ajudando, até vendi uma pequena fazenda que tinha herdado de meu pai, mas agora já não consigo e eles…tenho três filhos cada vez são mais escravos dos bancos que lhes emprestaram o dinheiro.
Há que mudar um pouco de vida, acrescentei…procurar poupar mais e consumir um pouco menos.
Logo me replicou o dono do café. Ainda acreditam, que tudo isto é uma fase passageira, resultado da crise, como dizem, não têm a nossa experiencia, viveram sempre na facilidade e confiantes de que tudo se resolverá a seu contento. Não querem fazer sacrifícios, não estão habituados a isso, vivem para gastar todo o dinheiro que têm e que não têm. O meu filho mais novo, acaba este ano o curso de engenheiro electrotécnico, já afirmou que vai para fora, talvez esse, que sempre foi bom aluno seja o único que esteja certo. Nós cá nos vamos aguentando, porque a nossa vida foi sempre de trabalho e sacrifício, mas eles, coitados…
Não se calou e disse-me…olhe, tive cinco irmãos e três irmãs…todos nos criamos, todos temos um ofício, um negócio e casa própria. Meu pai era um pequeno agricultor, que de semana trabalhava à tarefa para outros proprietários. Criou-nos com gosto e fez muitos sacrifícios para nos criar, minha mãe uma moira de trabalho e energia. Quantas vezes pergunto a meus filhos, vossos avós criaram oito filhos, quem hoje em dia tem condições e coragem para tal?
Quantos dos meus clientes envelhecidos e reformados, que aqui se sentam a conversar, bebendo o seu “cheirinho no café”, apenas um, depois da sua parca ceia, porque não dá para mais, estão a viver abandonados pelos filhos que criaram? Não falam com rancor deles, mas sim com a tristeza, de um amor desprezado.
Saí daquele pequeno café angustiado.
Da minha cabeça não saia a noticia que lera logo de manhã, que se referia ao aumento do número de casos de abandonos de doentes nos hospitais, pelas suas famílias.
Nossos filhos abandonam seus filhos nos “jardins de infância”, e esses filhos, irão abandona-los num lar…que país? Que sociedade estamos a criar?
A sabedoria está isolada da sociedade e a juventude não tem a possibilidade de a conhecer e aproveitar.
Dependentes, estamos a consolidar uma sociedade de dependentes, sem capacidade de pensar, de contrapor, de exigir.
Não era assim quando era novo, agradeço a meus avós e a meus pais, os testemunhos que me passaram. Fui um privilegiado.
Também no preço do café, que se praticava, que me permitia estar sentado a conversar com amigos, sempre que queria e em qualquer lugar deste país.
José J. Lima Monteiro Andrade.

Sem comentários:

Enviar um comentário