sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O resgate do meu país e o drama de meu primo.

Meu primo herdou uma boa casa e umas propriedades.
Nós herdamos um país.
Meu primo tem um bom emprego e recebe um bom ordenado. Casou e tem dois filhos. Sua mulher é um pouco extravagante, gosta de vestir bem, é consumista convicta, de comer em bons restaurantes, de viajar instalada em bons hotéis.
Meu país também não é pobre, da classe média como o meu primo.
A mulher de meu primo como boa mãe não trabalha e exige como tal que os seus filhos estudem em colégios privados.
No meu país também há metade da população que não trabalha, vivem de reformas ou de subsídios.
Ao meu primo, ofereceram-lhe três cartões de crédito dourados, uma simpatia de três bancos. Foi a crédito que meu primo comprou uma casa no Algarve e um segundo automóvel para sua mulher levar os filhos ao colégio e fazer compras nos centros comerciais.
Meu país também tem muitas pessoas extravagantes que ocupam cargos no Governo, no Parlamento e na Administração pública. Gostam também muito de viajar em automóveis topo de gama, ou em 1ª classe do avião, de comer em bons restaurantes e também são consumistas convictos, enquanto servidores públicos.
A mulher de meu primo também é uma serva do convívio e da aparência social, tal como os servidores públicos do meu país. O meu primo entregou-lhe um cartão de crédito que ela faz questão de utilizar em demonstração da sua inserção social como demonstração para os demais do seu estatuto de privilegiada. Também seguem a mesmíssima bitola, sobretudo no estrangeiro onde vão muito, os nossos servidores. Também os servidores têm cartão de crédito ilimitado, para esta sua obrigação social.
Já há muitos anos que o meu primo hipotecou a casa herdada e as propriedades, pois o seu bom ordenado não chegava para as despesas familiares e para os encargos com os bancos, que a sua mulher continuadamente ia favorecendo. O crédito que ainda ia obtendo, era para amortização e juros do crédito anterior, que tinha feito.
O meu país seguia o mesmo rumo. As despesas públicas eram sempre superiores às receitas fiscais e estas, mesmo continuadamente a aumentar, nunca chegavam para a despesa com os que não trabalhavam. O recurso ao crédito externo, também já era em boa parte para pagar os encargos dos créditos obtidos, como não chegavam, pedia-se cada vez mais crédito.
O meu primo começou a ter dificuldades em cumprir as suas obrigações bancárias, mas nunca teve coragem de o dizer à sua amada mulher e muito menos retirar os filhos do ensino privado para o publico ou sequer, diminuir a frequência de viagens e de estadias.
O meu país também não. Que importância tem gastar mais do que se produz? Quem vier a seguir que resolva e há sempre este imediato recurso de aumentar a carga fiscal.
Meu primo não tinha esse recurso, pois os ordenados foram congelados e a empresa onde trabalha, estava a fazer um grande esforço de contenção de custos, para manter a sua viabilidade.
Meu primo renegociou a suas dívidas com a entrega das propriedades. Manteve a casa herdada, a casa da praia e os dois automóveis, pensando que assim talvez conseguisse aguentar esses encargos. Mas a vida da família continuava na mesma e nunca meu primo teve coragem, para pedir contenção de despesas a sua mulher.
O aumento das despesas do meu país, continuavam também elas, em bom ritmo. Nunca os servidores públicos foram confrontados com qualquer preocupação de contenção de despesas e privilégios…era só o que faltava.
Foi por essas alturas que meu primo começou a ter dificuldades em dormir. As dificuldades de cumprimento com os bancos não se tinham atenuado e não queria ponderar a venda da casa de férias, pois tal ousadia, daria origem a uma tremenda discussão com sua mulher.
Pelo contrário, os governantes do meu país, temendo que o povo acordasse do sonho da ilusão, pediam cada vez mais crédito externo e mantinham os privilégios e mordomias, pois elas, não só eram para si próprios, convenientes, como também contribuíam para manter a aparência do sonho.
Tudo foi progredindo assim…os filhos do meu marido na inconsciência, a mulher do meu marido no seu deslumbramento diário e os servidores públicos bem alimentados, para seu prazer e sossego do povo.
Até que surgiram os incumprimentos. Meu primo ficou sem a casa do Algarve e uma ameaça seria sobre a penhora da casa herdada. Começaram também a surgir notícias de uma coisa chamada resgate, para o meu país.
A empresa de meu primo, foi à falência e meu primo ficou desesperado, foi só então, que sua mulher tomou conhecimento das dificuldades.
As notícias de resgate também alarmaram o povo inconsciente. Será possível que um país vá à falência? Começaram a interrogar-se.
A mulher de meu marido separou-se dele, pois a sua atitude para com ela tinha sido inaceitável. É que eles eram casados em comunhão de bens.
O povo separou-se do governo, quando entendeu, que a divida insustentável, era sua.
A casa herdada de meu primo, foi vendida em hasta pública.
O meu país também tinha já sido vendido.
Meu primo acabou por dar um tiro na cabeça e sua mulher encontrou um novo marido.
No meu país houve uma revolução e os servidores públicos foram para bem longe viver comodamente dos seus (?) recursos.

José J. Lima Monteiro Andrade

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