“Embora o povo não esteja, na sua grande maioria, apto para votar em perfeita consciência o texto completo da Constituição, o seu voto tem um significado político que não é lícito desprezar: é um voto de confiança nos dirigentes.”
Afirmava o Ministro das Finanças, Oliveira Salazar, na Sessão de 5 de Maio de 1932 do Conselho Político Nacional, sobre a decisão de submeter a plebiscito a Constituição de 1933
O Decreto n.º 22 229 de 21 de Fevereiro de 1933, torna obrigatória a participação dos eleitores chefes de família inscritos no recenseamento político de 1932, tendo como consequência que, sendo o sufrágio obrigatório, as abstenções contavam como votos a favor. Embora se suspeite de fraude e coacção generalizada, foram contabilizados 719 364 votos a favor, 5 995 contra e 487 364 abstenções (veja-se sobre a matéria, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, volume I. Coimbra : Coimbra Editora, 1981.
Ao propor que a Constituição fosse plebiscitada Salazar reconhecia a necessidade de dar ao mundo a noção, mesmo que aparente, de que o Estado Novo tinha a legitimidade indispensável.
O artifício legal de tornar o voto obrigatório e considerar-se através dele a abstenção como uma atitude de aprovação, passaria despercebido aos olhos dos analistas da época e também do povo português.
Pode assim dizer-se que o voto obrigatório foi o principal instrumento teórico, pensado por Salazar como forma de garantir a consolidação do seu regime, o Estado Novo.
Os resultados, talvez até o tenham surpreendido, dado que a abstenção, mesmo que somada aos votos contra, não suscitariam a questão da ilegitimidade, uma vez que não ultrapassaram os 50%. A confirmação foi assim total e o próprio artifício político do voto obrigatório tinha sido dispensado, perante o resultado alcançado.
Salazar confirmava-se assim, como o líder incontestado da nova Republica.
A questão da legitimidade do regime só se veio de novo a colocar, como grande preocupação de Salazar, com as eleições presidenciais de 1958.
Agora a abstenção, não poderia ser favorável à luz de nenhum critério, a nenhum dos candidatos.
Humberto Delgado, ao assumir-se como candidato credível de oposição, colocava este grande problema de novo a Salazar. Haveria que gerir com muita minúcia a dupla questão…
- A eleição em si, em que Américo Tomaz teria de ser eleito, mesmo à custa dos votos de quem não tinha ido votar.
- A adulteração eleitoral, teria de obedecer a um critério que levasse a uma vitória inquestionável do candidato do regime, mas que simultaneamente eliminasse o perigo da abstenção ultrapassar os 50%.
Os resultados eleitorais demonstram o elevado profissionalismo, como foi cumprida a exigência de Salazar.
758.998 votos em Américo Tomaz; 232.528 votos em Humberto Delgado, foi o registo oficial dessas eleições. Não foi nunca publicado o registo das abstenções, que atingiram os 48,8%.
A vitória do candidato oficial com cerca de 75% dos votos, tinha sido esmagadora…mas o número de votos de abstencionistas que lhe foram adicionados não escondia, que se tal não tivesse sido feito, a abstenção teria ultrapassado os 50% e Salazar teria de enfrentar interna e sobretudo externamente, a questão da ilegitimação dessa eleição.
Por este risco, não quis nunca mais Salazar passar.
A 29de Agosto de 1959 e por decreto, era alterado o regime de eleição do Presidente da Republica…passaria a ser eleito por um Colégio Eleitoral restrito de 602 membros.
Salazar não mais voltaria a temer a Abstenção…essa terrível arma de expressão politica das democracias respeitadoras da liberdade individual…porque pura e simplesmente deixou de haver sufrágio universal, que apesar de muito restrito e selectivo, mesmo com um controlo quase total sobre a propaganda, lhe tinha provocado um enorme susto.
José J. Lima Monteiro Andrade
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
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