domingo, 11 de outubro de 2009

O Crime do Toureiro e Salazar


Manuel dos Santos e Diamantino Viseu, eram desde 1947, verdadeiros ídolos nacionais.
Os seus êxitos como matadores de toiros, reavivaram o orgulho português.
Diamantino foi o primeiro português a tirar a alternativa como matador.
Logo foi encontrado um rival á altura, o jovem Manuel dos Santos, da Golegã, passando a existir entre os aficionados uma divisão de opinião, de seguidores apaixonados de um e de outro, que enchia todas as praças onde actuavam juntos.
Foi uma época delirante da tauromaquia portuguesa. Finalmente tínhamos dois rivais, que animavam a Festa nacional e que ainda por cima pela sua qualidade se impunham no país vizinho e nas Américas, onde a lide apeada tinha outra tradição e já uma longa história de grandes e gloriosos ídolos da tauromaquia.
Este novo fenómeno tauromáquico animava a discussão pública, as crónicas jornalísticas e também motivava os políticos.
A discussão entre os aficionados centrava-se muito em torno da limitação legal que impedia a morte dos toiros em Praça.
Neste aspecto havia unanimidade entre os seguidores de Diamantino e de Manuel dos Santos, todos se sentiam frustrados por não poderem assistir ao culminar das suas faenas da forma natural. Mas a Lei que o impedia, tinha de ser cumprida e o Estado Novo, não admitia nenhuma excepção, nem dava mostras de qualquer abertura, a este desejo abrangente dos aficionados portugueses.
Entre os inúmeros políticos aficionados figurava o Dr. Paulo Rodrigues, Ministro da Presidência do Governo de António de Oliveira Salazar. Não perdia nenhuma das tradicionais corridas nocturnas das quintas feiras no Campo Pequeno. Era um «Santista», ou seja um incondicional adepto de Manuel dos Santos, que admirava pela sua arte, mas também, pelo serviço que este prestava a Portugal, impondo-se como figura do toureio de âmbito mundial.
Não escondia o Dr. Paulo Rodrigues nas conversas nos intervalos das corridas, que o Dr. Salazar também era um aficionado e que gostava de estar informado sobre tudo o que se passava. Contava que todas as Sextas feiras de manhã, quando ia a despacho com o Presidente do Conselho, era quase sempre obrigatório fazer-lhe um relato síntese, do que se havia passado e comentado na corrida de toiros da noite anterior no Campo Pequeno.
Naquela quinta feira, no dia 3 do mês de Junho do ano de 1953, depois de uma grande faena no seu último toiro, Manuel dos Santos entusiasmado pela petição do público, entra a matar com o estoque de morte. Foi uma estocada fulminante, e o toiro caiu de patas arriba. O delírio encheu o Campo Pequeno que estava a abarrotar.
Imediatamente Manuel dos Santos é feito prisioneiro pela polícia presente e levado para os calabouços do Governo Civil.
Muitos jovens seguidores concentram-se junto às portas do Governo Civil, tentando através da sua presença, libertar o seu ídolo. Houve da parte da polícia, várias acções para dispersarem aquela manifestação de solidariedade. Mantiveram-se ali vários grupos que com surpresa assistiram à cena que se seguiu…
D. Pedro de Bragança (Lafões) era o mais conhecido boémio artista da capital e de toda o ambiente tradicionalista português. Era uma figura impar, com presença permanente nas corridas de toiros e nas casas de fado de Lisboa. Todos o conheciam pela sua frequente postura fidalga que normalmente associada à condição de embriagues, originavam histórias originais e muito engraçadas, que todos conheciam e que eram contadas em muitos ambientes de todo o país. Era uma figura impar da época, que ainda tive o privilégio de ver praguejando nas bancadas de praças de toiros, levantando o seu chapéu de chuva de cor azul, contra as modernices, de alguns inovadores cavaleiros tauromáquicos.
D. Pedro chegou ao Governo Civil, cumprimentou afavelmente e com intimidade os policias que estavam à entrada e surpreendentemente entrou para o seu interior.
Todos os jovens que se juntavam em diversos grupos assistiram ao episódio e que tinham sido dispersados e obrigados a manter-se à distância, ficaram surpreendidos e muito curiosos.
Como tinha D. Pedro conseguido entrar, o que iria fazer ou conseguir ?
Não durou muito a estadia de D. Pedro de Bragança no interior do edifício.
Os jovens apreçaram-se a questioná-lo sobre o que acontecera.
D. Pedro, contou. Eu infelizmente conheço bem toda a polícia lisboeta. Já muitas vezes fui trazido para aqui e até já sou amigo de muitos dos agentes. Passei aqui muitas noites, tocando e cantando o fado para alguns que estavam de serviço e que me impediram prendendo-me de expressar na via pública a arte lusitana do Fado. Dizem que perturbava a ordem pública ou que incomodava quem queria dormir.
Pedi apenas que me deixassem entrar para escrever um bilhete com uma nota de conforto ao Manuel dos Santos.
« Manuel, não te preocupes…tudo se vai facilmente resolver…quem to diz é quem já aqui passou muitas noites, simplesmente por “ matar o bicho”»
Na Sexta Feira logo de manhã o Ministro Dr. Paulo Rodrigues foi a despacho com Salazar.
O Presidente do Conselho, perguntou ao Ministro. Então como decorreu ontem a corrida do Campo Pequeno ?
O Ministro, estava sem saber muito bem como haveria de contar o episódio da morte ilegal do toiro pelo seu ídolo das arenas Manuel do Santos.
Começou com algum cuidado tentando explicar a Salazar que se tinha passado uma circunstância muito anormal, mas que decorrera do grande entusiasmo que do público presente.
Salazar antecipou-se, querendo saber o que de grave se tinha passado.
O ministro manteve ainda o rodeio da questão, tentando justificar o acto sem o narrar directamente.
Salazar impacientou-se e desafiou o seu ministro a ser objectivo.
O Dr. Paulo Rodrigues disse por fim… o Manuel dos Santos depois de uma grande faena, induzido pelo entusiasmo do público…matou o toiro.
Salazar sem demonstrar qualquer sentimento e apenas curiosidade perguntou…
“ e Matou bem ? “
Manuel dos Santos foi julgado e absolvido em 1953.
48 anos depois, em 2001, outra figura da tauromaquia nacional, segue este exemplo na Praça de toiros da Moita do Ribatejo, matando um toiro depois de uma lide de êxito e entusiasmo.
Pedrito de Portugal, foi julgado e severamente punido ao pagamento de 100.000 euros de coima.
A ditadura foi condescendente .
A 3ª Republica foi severa .
Talvez a questão não deva ser apreciada numa perspectiva jurídica, ou talvez também o deva ser, pois todos estranhamos como há tanta corrupção politica que escapa á decisão dos Tribunais…
Mas sobre outro aspecto o exemplo ainda é mais elucidativo….
Os dois Regimes republicanos, têm efectivamente uma enorme diferença no que respeita á sua preocupação pela salvaguarda das Tradições Históricas e uma postura muito diferenciada pelo protagonistas que prestam esse indiscutível serviço nacional, que é o de uniram e motivarem muitos portugueses, em torno da sua identidade e do seu orgulho próprio.
Almeirim, 11 de Outubro de 2009
José J. Lima Monteiro Andrade

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